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Elaborar testes em Filosofia
Inserido em 2013-04-01  |  Adicionar Comentário

Ocasionalmente encontro testes de filosofia com 4 ou 5 questões de desenvolvimento. Testes elaborados dessa forma são, em regra, desajustados didaticamente.

A minha proposta para elaborar testes didática e cientificamente corretos é dividi-los em vários grupos, oferecendo aos estudantes diversas formas de testarem as competências trabalhadas nas aulas.

Para elaborar com correção um teste devemos ter em mente o que queremos ver testado.
Em filosofia é uma má opção apenas avaliar se o aluno conhece ou não as matérias, isto porque um aluno que pura e simplesmente mecanize pela memória as matérias pode escrevê-las corretamente, sem, com efeito, compreender o que está em causa.  
                                                                                         

 

Assim, como competências gerais da filosofia, o que queremos avaliar é:

                 1) Competências sobre problemas
                 2) Competências para analisar teorias
                 3) Competências para discutir argumentos

Estas são, creio, as competências que distinguem a filosofia das demais disciplinas e, ao mesmo tempo, aquelas que a filosofia está mais apta a avaliar que qualquer outra disciplina.

Se pretendemos avaliar competências para discutir argumentos, a opção mais adequada consiste em colocar um argumento de um filósofo ou sobre um problema e questionar o aluno sobre se concorda ou não e quais são as razões que o levam a tal. Para avaliar competências sobre discussão de argumentos, temos de dotar o aluno das ferramentas que vão permitir essa tarefa. E essas competências são dadas pelas noções básicas de lógica. É esta a caixa que contém as ferramentas essenciais. Antes de partir para a discussão propriamente dita do argumento, o aluno deve ser capaz de distinguir premissas de conclusões, validade de verdade, saber quando um argumento é válido, sólido e cogente.

Com um mesmo argumento podemos elaborar uma questão de desenvolvimento, uma questão de escolha múltipla ou uma questão de resposta curta. Vou propor aqui um pequeno exemplo que pode ser trabalhado das três formas principais, não excluindo aqui outras possibilidades igualmente boas. Acima de tudo, vale a pena ser criativo, desde que se vise sempre duas regras:

       1) Que as questões evitem a ambiguidade (que sejam claras no que se pede como resposta).
       2) Que as questões sejam rigorosas.

Outra regra mais subjetiva consiste em fazer variar o nível de dificuldade. Mas o nível de dificuldade não se obtém questionando matérias mais subtis, mas sim concebendo as questões de modo a que o estudante, perante elas, pense criticamente em graus variados de elaboração intelectual.

Um exemplo de uma má questão é algo como esta:

                 1. Defina validade.

A mesma questão é didaticamente ajustada se for apresentada assim:

                 2. Refira se o seguinte argumento é válido. Justifique a resposta.


Se estudar muito, tiro boa nota no teste
Estudei muito
Logo, tirei uma má nota no teste

A diferença é que em 1. o estudante pode apenas dar uma resposta memorizada sem ter compreendido o que está em causa, ao passo que em 2. a resposta correta implica que o estudante compreendeu e aplicou na prática o que compreendeu da definição de "validade". Evita a simples memorização e treina o estudante na compreensão da definição, que é o que mais importa.

A melhor estratégia para que o aluno compreenda é passar algum tempo nas aulas a testar argumentos simples, de modo que, com algum treino, compreenda que um argumento não pode ser válido se for possível ter premissas verdadeiras e conclusão falsa.

Mas a mesma questão pode ser aplicada no modelo de resposta múltipla.

Vejamos uma hipótese:


                1. Atente no seguinte argumento e selecione a opção correta:


Se estudar muito, tiro boa nota no teste
Estudei muito
Logo, tirei boa nota no teste

a) O argumento é válido pois tem premissas verdadeiras e conclusão falsa.
b) O argumento é válido pois se as premissas forem verdadeiras é impossível ou pouco provável que a conclusão seja falsa.
c) O argumento é inválido pois se as premissas forem verdadeiras a conclusão pode ser falsa.
d) O argumento é inválido pois tem premissas falsas e conclusão falsa.

Apresento também um modelo para uma resposta de desenvolvimento. Pode incluir ou não um texto proposto. Se incluir, convém que apresente de modo claro um argumento para discussão e que o estudante tenha de encontrar nele a conclusão e as premissas do argumento. A dificuldade do texto deve depender do nível de dificuldade a que o professor habituou os estudantes e do treino que o professor deu ao longo das aulas. Uma ideia simples pode ser algo como esta:


Para Descartes há um ponto fundamental a partir do qual não é possível duvidar mais, o cogito. Será que um cético radical concorda com esta proposta? Justifique a resposta indicando pelo menos uma objeção à proposta cartesiana.


Num só teste podemos testar competências sobre problemas, sobre argumentos, sobre teorias ou todos ao mesmo tempo. Não é estritamente necessário que um teste, para testar bem estas competências, tenha de ser de 90 minutos. Em testes de 45 minutos conseguimos fazê-lo. Nem é necessário que um bom teste inclua muita matéria. Invariavelmente tal conduz mais à memorização da matéria e menos à sua prática e compreensão. Significa isto que o teste não tem de ser muito longo para ser um bom teste. Adicionalmente, um bom teste pode poupar algum trabalho ao professor, já que levará menos tempo a corrigir.

Finalmente uma outra sugestão: em testes mais curtos, se distribuirmos a cotação de 20 valores por poucas questões, acabamos por ter questões que valem 4 ou 5 valores, o que me parece excessivo. Uma boa estratégia é fazer as avaliações sem percentagens. Por exemplo, se a cotação distribuída para testes no final do período for de 70%, isso equivalerá a 14 valores em 20 possíveis. Logo, cada teste valerá 7 valores. Se o aluno conseguiu 5 no primeiro teste e 6 no segundo, basta somar e tem já 11 valores, faltando apenas somar os valores atribuídos à participação, trabalhos, atitudes, etc. Simples e eficaz sem grandes complicações para os alunos.


Rolando Almeida

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