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A importância da Lógica: uma entrevista a Harry Gensler
Inserido em 2014-01-27  |  Adicionar Comentário

 

Harry Gensler é um filósofo contemporâneo especialista sobretudo em lógica, ética e filosofia da religião. Ensina lógica há mais de três décadas, tendo inventado um método muito simples para testar a validade silogística (o teste estrela), bem como concebeu um método bastante acessível para se fazerem derivações que funciona em lógica proposicional, de predicados, modal, deôntica, epistémica, etc. Além disso, desenvolveu um programa de computador muito popular para se aprender lógica chamado LogiCola

Entre os seus principais livros, podemos encontrar:

The A to Z of Logic (2010)
Introduction to Logic (2010)
Ethics: A Contemporary Introduction (2011)
Ethics and the Golden Rule (2013)

Devido à sua experiência em lógica, decidimos falar com este filósofo para nos esclarecer sobre alguns pormenores no ensino da lógica no Ensino Secundário.



DOMINGOS FARIA (DF): É importante ensinar lógica na disciplina de filosofia no Secundário? Porquê? Em Portugal os professores de filosofia do Secundário podem optar por lecionar lógica silogística ou lógica proposicional. Qual delas acha que é melhor e adequada para o Secundário?

HARRY GENSLER (HG): É importante os jovens estudarem lógica, em primeiro lugar porque os ajuda a pensar com maior rigor e disciplina. Ensina-os acerca do raciocínio, ajuda-os a defenderem-se da persuasão irracional e da propaganda e encoraja-os a serem atentos ao pormenor. Neste sentido, a lógica pode ajudar os alunos para outros tipos de estudo.
Em segundo lugar, a lógica é uma boa preparação para a filosofia. Acho importante que pelo menos alguns argumentos que eles estudem lidem com questões filosóficas mais profundas, como o livre-arbítrio, a existência de Deus ou a natureza da moralidade. Se bem que a lógica não nos dê todas as respostas, a verdade é que fornece ferramentas úteis para pensar sobre as questões profundas da vida.
Em terceiro lugar, para muitos estudantes, a lógica é tão divertida quanto jogar ou fazer puzzles
. Muitos deles acham-na desafiante, fascinante e muito agradável.
Acho que tanto a lógica silogística como a lógica proposicional básica (como se encontra nos capítulos 2 e 5 do meu livro Introduction to Logic, 2.ª edição, Routledge Press, 2010) se adequam perfeitamente, evitando talvez áreas (tais como expressões complexas e confusas) que os alunos consideram especialmente difíceis. Sugiro experimentar qualquer delas, para ver aquilo de que o grupo é capaz, com que rapidez é possível avançar, o que é preciso rever, etc. Outra área a considerar são as falácias informais, tais como apelo à multidão e a post hoc ergo propter hoc (ver capítulo 4 do meu livro). Um grupo mais motivado poderá estar pronto para as provas formais ou mesmo para a lógica modal básica (como se encontra nos capítulos 7 e 10 do meu livro). Contudo, é importante experimentar coisas diferentes para ver como os estudantes trabalham.

DF: No seu livro Introduction to Logic, na secção de lógica silogística fala do teste estrela. Porque é que este método é melhor do que as regras medievais? Poderia explicar aos professores portugueses como funciona o teste estrela? Considera ser uma boa estratégia ensinar o teste estrela em filosofia no Secundário?

HG: O meu teste estrela é de facto uma forma mais fácil de aprender todas as regras medievais. Além de ser mais fácil de aprender, o teste estrela pode ser feito com maior precisão e aplicado a argumentos silogísticos com qualquer número de premissas (ao passo que as regras medievais se aplicam a argumentos com apenas duas premissas).
No início do meu capítulo 2 explico o teste estrela
. Primeiro, defino uma FBF (“fórmula bem formada”)¹ como qualquer sequência de qualquer das oito formas seguintes (nas quais podem ser usadas outras letras maiúsculas e minúsculas):

todo A é B
nenhum A é B
algum A é B
algum A não é B
x é A
x não é A
x é y
x não é y


Aqui as maiúsculas são usadas para os termos gerais (termos que descrevem ou formulam uma categoria), como “ser humano”, “filósofo”, “bebé encantador” ou “fala português”. As minúsculas aplicam-se aos termos singulares (termos aplicados a uma pessoa ou coisa específica), como “David”, “esta criança” ou “o bebé mais encantador do mundo”.
A seguir, defino SILOGISMO como uma sequência vertical de um ou mais FBFs na qual cada letra ocorre duas vezes e as letras “formam uma cadeia” (cada FBF tem pelo menos uma letra em comum com a FBF imediatamente abaixo, se esta existir, e a primeira FBF tem pelos menos uma letra em comum com a última FBF).
Vejamos três exemplos:

nenhum P é B
algum C é B
∴ algum C não é P² 
a é C
b não é C
∴ a não é b
todo G é F
∴ todo F é G


Antes de fazermos o
teste estrela
,temos de aprender a técnica do termo “distribuído” (que vem das regras medievais). Um exemplo de uma letra DISTRIBUÍDA numa FBF é se ocorrer logo após “todo”, ou em qualquer lado depois de “nenhum” ou “não”. A seguir sublinhamos as letras distribuídas:

todo A é B
nenhum A é B
algum A é B
algum A não é B
x é A
x não é A
x é y
x não é y


Finalmente, o
teste estrela aplica-se da seguinte forma a silogismos: insere-se uma estrela nas letras das premissas que estão distribuídas e nas letras da conclusão que não estão distribuídas. O silogismo é válido se, e só se, cada letra maiúscula tiver apenas uma estrela e se houver apenas uma estrela do seu lado direito.³
Sugiro para as primeiras vezes que se aplicar o
teste estrela
usar um procedimento em três etapas: (1) sublinhar as letras distribuídas; (2) inserir as estrelas; e (3) contar as estrelas.
Eis um exemplo válido:

todo A é B
algum C é A
algum C é B

(1) Primeiro sublinhamos as letras distribuídas (apenas o primeiro “A” é distribuído):

todo A é B
algum C é A
∴ algum C é B

(2) A seguir inserimos estrelas nas letras das premissas que estão sublinhadas e nas letras da conclusão que não estão sublinhadas:

todo A* é B
algum C é A
∴ algum C* é B*

(3) Finalmente, contamos as estrelas. Cada letra maiúscula tem exatamente uma estrela e há exatamente uma estrela do lado direito do silogismo. Por isso, o argumento é VÁLIDO.


Um segundo exemplo, desta vez inválido:

nenhum A é B
nenhum C é A
nenhum C é B

(1) Primeiro, sublinhamos as letras distribuídas (aqui todas as letras estão distribuídas visto que todas ocorrem depois de “nenhum”).

nenhum A é B
nenhum C é A
∴ nenhum C é B

(2) Depois, inserimos estrelas nas letras sublinhadas e nas letras da conclusão que não estão sublinhadas.

nenhum A* é B*
nenhum C
* é A*
nenhum C é B

  
(3) Finalmente, contamos as estrelas. A maiúscula “A” ocorre com duas estrelas e há duas estrelas no lado direito. Por isso, o argumento é INVÁLIDO.


No meu livro apresento mais pormenores. E sim, sugiro que seja ensinado o
teste estrela aos alunos do Secundário que estudem lógica silogística.

DF: No seu livro de lógica, também explica uma nova maneira de fazer derivações lógicas apenas com “regras simplificadoras” e “regras de inferência”. Pode explicar brevemente aos professores portugueses o seu método de construir provas lógicas ou derivações? Porque pensa que este seu método é melhor do que os métodos tradicionais (como o método de Gentzen)?

HG: Então como funciona o meu sistema de prova? Todas as provas são RAA (reductio ad absurdum – redução ao absurdo). Assume-se o oposto da conclusão e a seguir usa-se as regras de inferência nas premissas para derivar a contradição; derivar a contradição mostra que, dadas as premissas, a conclusão não pode ser falsa e por isso tem de ser verdadeira – por isso, o argumento original é válido.
O meu sistema de prova usa regras S e regras I. As seis regras S (de simplificação) são as seguintes:


As seis regras I (de inferência) são as seguintes:


Um exemplo de prova:


Iniciamos a prova supondo o oposto da conclusão (passo 5). Depois derivamos tudo o que for possível usando as regras S e I até se encontrar a contradição (passos 6 a 8). Finalmente, derivamos a conclusão original (passo 9).

O meu sistema de prova apresenta diversas vantagens relativamente aos sistemas habituais: usa um conjunto de regras menor e mais unificado, tem uma estratégia de prova precisa e conduz a uma prova ou a uma refutação (se não se obtiver uma contradição). Este sistema de prova pode ser ampliado para outros sistemas mais complexos, como lógica quantificada, modal, deôntica e epistémica.
Caso estejam habituados a outro sistema de prova, talvez necessitem de alguma prática para alcançar alguma rapidez. Vejam o meu livro (capítulo 7) e experimentem o meu software didático LogiCola (aqui) – infelizmente apenas disponível em inglês).
A prova proposicional talvez seja demasiado avançada para alunos do Secundário, mas tudo depende do grupo. Mais uma vez, terão de avaliar aquilo de que eles são capazes.

DF: Que conselho pode dar aos professores do Secundário para ensinar lógica com sucesso?

HGEnsinem com clareza e entusiasmo, usem exemplos concretos e interessantes, tentem compreender que áreas são mais difíceis para os vossos alunos, centrem-se nelas e façam muitas revisões. Irão dar-se conta que alguns alunos aprendem lógica com muita rapidez enquanto outros a acham extremamente difícil. Tenham a abertura para usar tempo suplementar com os alunos mais lentos, sejam pacientes com eles e entendam que os estudantes têm diferentes potencialidades e estilos de aprendizagem. E, mais uma vez, sejam pacientes e gentis na vossa lecionação.
Um dos meus alunos, um jovem inteligente que está a fazer um MA em filosofia, escreveu um artigo sobre o ensino da lógica nas escolas secundárias. Envio-o (aqui), talvez queiram disponibilizá-lo aos vossos leitores. Ele é Jesuíta (tal como eu), por isso este artigo fala sobre a tradição jesuíta, ideais e escolas. Talvez encontrem alguma utilidade nas suas ideias.

¹ No original: WFF – well defined formula.
² O símbolo ∴ indica a conclusão.
³ Esta formulação do teste estrela pressupõe a interpretação moderna da lógica silogística (em que é abandonada a implicação existencial); para uma interpretação tradicional aristotélica (em que se aceita a implicação existencial), coloque-se a expressão "se cada letra maiúscula tiver pelo menos uma estrela" em vez de "se cada letra maiúscula tiver apenas uma estrela". O teste estrela é facilmente adaptável tanto à versão moderna como à tradicional.

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