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Ainda a propósito do Dia Mundial da Filosofia...
Inserido em 2013-11-22  |  Adicionar Comentário

 

Comemorou-se em 21 de novembro o Dia Mundial da Filosofia e, a propósito dessas comemorações, o Grupo de Filosofia da Escola Secundária João Gonçalves Zarco, em Matosinhos, convidou um dos autores deste projeto para falar com algumas turmas do 10.º ano no sentido de reforçar alguns aspetos relacionados com a importância da Filosofia e do seu estudo nos dias de hoje.

Gratos pela gentileza do convite, aqui fica um resumo da sessão.


O que é a Filosofia?

A Filosofia é uma atividade crítica que se debruça sobre problemas fundamentais acerca da natureza da realidade (ex.: O que é que existe?), do conhecimento (ex.: O que é que podemos saber?) e do valor (ex.: Que atitude devemos adotar perante as coisas?).    
                                                      

Os problemas da Filosofia são problemas de natureza conceptual; não se resolvem através de experiências científicas ou cálculos matemáticos, mas sim através do pensamento (análise de conceitos, argumentação, conceção de experiências mentais) e da discussão crítica.

Por exemplo, se quero saber o que se deve fazer para agir corretamente, tenho de proceder a uma análise do conceito de “ação correta”; não basta olhar à volta e ver o que é que os outros acham que é correto, é preciso defini-lo de modo coerente e sustentado por argumentos. Se quero saber por que razão acredito que as touradas, por exemplo, são erradas, posso imaginar o que pensaria acerca das touradas se os touros reais fossem substituídos por robôs. Se concluir que não há nada de errado em usar robôs nas touradas, convém-me perguntar qual é o aspeto que me leva a condenar uma prática e a aceitar a outra. Uma vez que a principal diferença entre os dois casos é o facto de os touros serem capazes de sentir a dor causada pelos espetos e os robôs não, posso concluir que o sofrimento é pelo menos uma das coisas a considerar na avaliação da correção moral de uma ação.


Mas para que serve a filosofia?

Resposta pessimista: «Para nada!»

Que justificação podemos apresentar a favor desta perspetiva?

As mais recorrentes são as seguintes:

1.
2.
3.
4.

Tudo o que os filósofos fazem é discutir o significado das palavras.
Os filósofos nunca chegam a conclusões definitivas.
A Filosofia não contribui para o PIB.
A Filosofia é pura especulação teórica, sem implicações práticas  relevantes.

Vamos pensar um pouco sobre cada uma delas.

1.º argumento:

(1)
(2)

(3)

Os filósofos só discutem o significado das palavras.
Se os filósofos só discutem o significado das palavras, então a Filosofia não serve para nada.
Logo, a Filosofia não serve para nada.

Será verdade que os filósofos se limitam a discutir o significado das palavras?

Acabámos de ver que, para além da análise conceptual, a Filosofia recorria a experiências mentais, à construção e avaliação de argumentos e ao diálogo racional.

Ainda que isso fosse verdade, será que isso implica que a Filosofia não serve para nada?

Se nunca discutirmos, nem refletirmos criticamente acerca do significado de alguns conceitos fundamentais como o de justiça, coragem, ação correta, felicidade, conhecimento, pessoa, etc., podemos persistir numa aplicação errada dos mesmos e isso pode ter consequências desastrosas para a nossa existência.


2.º argumento:

(1)
(2)

(3)

Os filósofos nunca chegam a conclusões definitivas.
Se os filósofos nunca chegam a conclusões definitivas, então a Filosofia não serve para nada.
Logo, a Filosofia não serve para nada.

Será verdade que os filósofos nunca chegam a conclusões definitivas?

Embora haja em Filosofia muitos problemas que geram polémica e acesos debates, também existem consensos alargados. A ideia de que a escravatura é justa, por exemplo, é uma ideia extremamente difícil de defender de modo rigoroso e imparcial.

Há áreas da ciência onde o consenso parece impossível; isso significa que a ciência não serve para nada?

Também na ciência existem áreas mais consensuais, transmitidas por manuais aos futuros cientistas, e áreas mais polémicas, como a disputa entre a Teoria da Relatividade e a Mecânica Quântica. Simplesmente, em ciência é mais divulgado o núcleo de saberes estabelecidos; em Filosofia são as discussões menos pacíficas que despertam geralmente as atenções do público em geral.

Uma investigação só tem valor se conduzir a uma conclusão definitiva? E o que se aprendeu no processo?

Certas atividades parecem fúteis e vazias de sentido se não conduzirem a lado nenhum. Comprar um bilhete para um concerto a que não pretendo assistir parece ser um bom exemplo disso. Mas há outras coisas que valem não só pelo resultado final mas também (e, às vezes, especialmente) pelo processo. Um exemplo simples daquilo que estou a dizer é dar um passeio sem nenhum destino definido só para apreciar à paisagem. Posso não ir dar a lado nenhum, mas o passeio valeu por si mesmo.

Posso não ter a certeza se algo é verdadeiro, mas não será útil saber se tenho boas razões para acreditar nisso?

Imaginemos que joguei no Euromilhões. Antes de o resultado ser anunciado, não sou capaz de determinar se vou ganhar o prémio ou não, mas talvez não seja boa ideia comprar um iate antes de saber o resultado. Isto porque, embora haja muitas coisas que eu não posso saber com exatidão se são verdadeiras ou não, é sempre bom pensar que razões tenho para acreditar nisso e viver de acordo com aquilo que tem as melhores razões a seu favor.

Não poderá ser útil pensar que nenhuma conclusão é definitiva?

Pode ser útil manter uma perspetiva aberta em relação às nossas convicções. Se acharmos que já atingimos conclusões definitivas em relação a um determinado assunto, podemos acabar por assumir certas convicções acriticamente, ignorando outras perspetivas sobre o assunto, deixando por examinar razões que nos poderiam fazer mudar de opinião.

3.º argumento:

(1)
(2)

(3)

A Filosofia não contribui para o PIB.
Se a Filosofia não contribui para o PIB, então não serve para nada.
Logo, a Filosofia não serve para nada.

Será verdade que a Filosofia não contribui para o PIB?

Se os filósofos escrevem livros e revistas que são vendidos e exportados pelas editoras, então é óbvio que a Filosofia também pode contribuir para o PIB. Se os filósofos dão aulas e conferências nas universidades e atraem alunos nacionais e estrangeiros para essas atividades, pagando as respetivas propinas, então a Filosofia também contribui para o PIB.

O valor económico é a única espécie de valor que existe?

Ainda que a Filosofia não tivesse qualquer valor económico, pode ter outros tipos de valor. Há muita coisa que tem valor para nós apesar de não ter valor económico.

O valor económico é algo que tem valor por si?

Aliás, se prestarmos atenção ao tipo de valor que está aqui em causa, verificamos que talvez o valor económico não seja algo que tem valor por si, mas sim por possibilitar o acesso a coisas que de facto valorizamos por si. À exceção do Tio Patinhas e de outros casos patológicos, ninguém quer ter dinheiro só por ter dinheiro, mas sim por aquilo que o dinheiro permite adquirir.

4.º Argumento:

(1)

(2)

(3)

A Filosofia é pura especulação teórica, sem qualquer aplicação prática relevante.
Se a Filosofia é pura especulação teórica, sem qualquer aplicação prática relevante, então não serve para nada.
Logo, a Filosofia não serve para nada.

Será verdade que a Filosofia é pura especulação teórica?

Os filósofos publicam as suas ideias, dão aulas, participam em conferências, entrevistas, etc. Ninguém é filósofo, profissionalmente falando, porque passa os seus dias sentado num sofá a refletir. Discutir ideias e ensaiar as consequências necessárias ou possíveis de determinadas convicções pode ser encarado como uma atividade que está para além da pura especulação.

Não dizem os problemas filosóficos respeito à nossa existência?

Investigar o que é a felicidade, qual o sentido da vida, o que torna uma ação certa ou errada, etc., dificilmente pode ser visto como um assunto desligado da nossa vida prática. São ideias que têm implicações no modo como escolhemos viver as nossas vidas.

Não é suposto guiarmos o nosso comportamento por aquilo que sabemos, ou julgamos saber, acerca do modo como as coisas são?

Investigar a própria natureza do conhecimento pode parecer uma aventura puramente teórica, mas aquilo que sabemos, ou pensamos saber, acerca do mundo acaba por ter uma influência decisiva no nosso dia a dia. Saber distinguir o conhecimento seguro de meras ilusões pode evitar muitas deceções. Se quero ir ao cinema ver um determinado filme, tenho de distinguir fontes fiáveis acerca das salas de cinema e dos horários das sessões de fontes duvidosas.

Mais um problema para a Resposta Pessimista

Ao discutir o significado e a importância da filosofia estamos já a fazer filosofia. Ora, parece simplesmente autocontraditório recorrer à Filosofia para tentar provar que esta não serve para nada.

Tópicos para uma Resposta Otimista

A preocupação com o significado das coisas é algo que faz parte da nossa natureza, portanto, a Filosofia é, até certo ponto, inevitável.

É importante discutir o significado de conceitos fundamentais como o conceito de Pessoa, de Justiça, de Conhecimento, de Ação, de Bem, de Direito, de Felicidade, etc., para os aplicarmos corretamente quando confrontados com situações que mobilizam esse tipo de conhecimento.

É importante reconhecer que podemos estar errados em relação a um assunto e procurar determinar se temos boas razões para pensar da maneira que pensamos, ou se temos boas razões para mudar de opinião.

A Filosofia estimula o nosso pensamento, ajuda-nos a pensar com clareza, rigor e coerência.

Há quem tenha prazer no jogo de pesar razões a favor e contra uma determinada ideia.

A Filosofia tem implicações práticas inegáveis porque aquilo em que acreditamos faz-nos agir de determinadas maneiras. O pensamento de filósofos como Voltaire, Rosseau, Jeremy Bentham, John Stuart Mill, Karl Marx, John Rawls e Peter Singer, para citar apenas alguns exemplos, esteve por detrás de grandes transformações sociais e políticas e contribui para o progresso da humanidade de uma forma evidente. Desde a Revolução Francesa, a abolição da escravatura, a igualdade de género, o tratamento dos animais não humanos, o combate à pobreza extrema, etc. A este respeito, Simon Blackburn diz qualquer coisa como: “Quando o sono da razão produz monstros, o despertar crítico é o melhor antídoto”. Esta é, a meu ver, a principal razão para continuarmos a cultivar a Filosofia e o seu estudo.

A Equipa

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