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O Exame Nacional de Filosofia não refere “inspetores de circunstâncias”, mas “tabelas de verdade”. O caso é que, se um inspetor é uma tabela, uma tabela não é necessariamente um inspetor.
E passo a explicar a razão de isto ser assim.
Chama-se inspetor de circunstâncias, pois é exatamente isso que fazemos com um inspetor – inspecionamos as circunstâncias em que ocorre verdade e falsidade num determinado argumento e queremos ver se, nessas circunstâncias, há alguma em que a(s) premissa(s) seja(m) verdadeira(s) e a conclusão falsa. Se tal existir, o argumento é dedutivamente inválido. |
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Vamos supor um argumento simples com duas variáveis proposicionais, P e Q. Para P e Q há quatro circunstâncias possíveis de ocorrência de verdade. Quando digo “ocorrência de verdade” quero dizer que pode ser verdadeiro ou falso. É isso que significa ocorrer verdade numa proposição. Assim, ou P e Q são ambos verdadeiros, ou P e Q ambos falsos. Ou P é verdadeiro e Q falso, ou o contrário, isto é, P é falso e Q verdadeiro. Não existe mais nenhuma circunstância possível onde ocorra verdade para P e Q. Ora, é perante estas quatro circunstâncias possíveis que vamos aplicar o inspetor, indicando nele as premissas e as conclusões.
Utilizando num exemplo simples:
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P – O João gosta de gelados Q – A Ana gosta de amendoins |
| Argumento:
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Se o João gosta de gelados, então a Ana gosta de amendoins A Ana gosta de amendoins Logo, o João gosta de gelados |
| Este argumento simples, ficará assim:
Fazendo o inspetor:
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P |
Q |
P → Q |
Q |
╞ P
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V |
V |
V |
V |
V |
Válido |
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V |
F |
F |
F |
V |
Válido |
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F |
V |
V |
V |
F |
Inválido |
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F |
F |
V |
F |
F |
Válido |
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E chama-se inspetor de circunstâncias a este pequeno conjunto de tabelas de verdade precisamente pela forma como o argumento é disposto na tabela, que nos permite ver se é válido ou inválido.
O argumento lê-se da seguinte forma: na circunstância em que P é falso e Q verdadeiro, o argumento é inválido, pois as premissas são todas verdadeiras e a conclusão falsa. Como se vê, estou a falar da terceira circunstância. Em todas as outras circunstâncias, o argumento passa o teste da validade dedutiva.
Agora vamos dar atenção à definição de validade dedutiva:
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Um argumento é dedutivamente válido se for impossível uma circunstância de verdade em que a(s) premissa(s) seja(m) verdadeira(s) e a conclusão falsa. |
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No nosso exemplo, na terceira circunstância é o que acontece: as premissas são verdadeiras e a conclusão falsa; logo, o argumento é inválido.
Falamos em circunstâncias de verdade pois queremos testar a validade formal dos argumentos. E quando queremos fazer esse teste, temos de avaliar o argumento supondo todas as condições de verdade possíveis.
Neste sentido, parece mais ajustado falar em inspetores de circunstâncias e não somente em tabelas de verdade. E é por isso também que, se um inspetor de circunstâncias é um conjunto de tabelas, um conjunto de tabelas não é necessariamente um inspetor.
Observação final: não é inteiramente correto ensinar no 10.º ano esta regra da validade, já que os alunos não estão preparados para realizar inspetores. Assim, a forma mais interessante de a ensinar, que tenho encontrado em bons manuais, é a seguinte:
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Um argumento é válido quando é impossível, ou pouco provável, que exista uma circunstância em que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. |
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Estou em crer que desta forma se aplica a definição tanto a argumentos dedutivos como a não dedutivos.
A forma como queremos dizer, quer seja inspetores quer tabelas de verdade, não é, contudo, consensual. Há quem pense tratar-se somente de ajuste de termos. A razão que me faz pensar que “inspetor” é mais adequado é didática, isto é, entende-se melhor o que se pretende com o conjunto de tabelas a partir das quais conseguimos inspecionar a ocorrência de verdade.
Rolando Almeida
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