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Deus e o problema do sentido da vida
Inserido em 2013-05-15  |  Adicionar Comentário

Será preciso existir Deus para a vida humana ter sentido?

O poema “Tabacaria”, de Fernando Pessoa, pode ser um bom ponto de partida para o problema do sentido da vida.
Aqui fica um pequeno excerto:                                           

Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.

A ideia é que tudo o que criamos e somos vai acabar dentro de algum tempo. Um dia, no futuro, vamos estar todos mortos e tudo o que fizemos vai desaparecer. 
                                
                                                           

 

Uma vez que a nossa vida é efémera e a duração da nossa estrela (Sol) é limitada, os nossos escritos, trabalhos, construções, arte, etc., estão condenados a desaparecer.

Então, se esse é o caso, por que razão tanto esforço e dedicação para viver? Que sentido pode ter a nossa vida se, afinal, estamos condenados ao nada, à morte e à impermanência? Será preciso existir Deus para a vida ter sentido?

Existem várias teorias filosóficas que tentam responder a este problema. Vejamos três teorias significativas:


(A) Resposta Teísta

Para Tolstói e William Craig, a morte e a efemeridade destroem qualquer sentido que a vida tenha porque tornam tudo inútil a longo prazo. Assim, só Deus pode dar sentido à vida, pois Deus dá-nos uma alma imortal e, por isso, a vida não acaba em vão. O argumento é o seguinte:

(1) Se formos mortais, a vida não tem sentido.
A mortalidade anula o sentido porque todos estaremos mortos daqui a algum tempo e, assim, não poderemos continuar para sempre a fazer coisas de valor.

(2) Se nada do que fazemos é permanente, nada do que fazemos tem sentido.
A impermanência anula tudo o que fazemos porque tudo acabará por desaparecer. Mesmo que ajudemos os outros, que criemos um mundo melhor, mais belo e mais justo, mesmo que sejamos imensamente felizes, nada disso restará daqui a um milhão de anos.

(3) Mas, se temos uma alma imortal e se Deus nos criou com uma finalidade, a vida humana tem sentido.
Vale a pena viver, pois Deus dá sentido à vida: Deus criou-nos com uma alma imortal e não seremos reduzidos à morte e ao nada; do mesmo modo, Deus irá recompensar-nos ou castigar-nos em função de como vivemos a vida, e é assim que o que fazemos ganha permanência, marcando para sempre a nossa existência após a morte.

(4) Logo, a vida faz sentido se, e só se, Deus existe.


(B) Resposta Ateísta

Para Kurt Baier, a vida faz sentido só se Deus não existir. O sentido da vida não pode consistir na submissão à vontade de Deus porque seríamos tratados meramente como objetos nas mãos de Deus. Pelo contrário, o sentido da vida encontra-se em realizações significativas e valiosas (como contribuir para a felicidade dos outros). E se uma vida assim “pode realmente valer a pena, então pode valer a pena mesmo que seja curta. E se não vale de modo algum a pena, então uma eternidade disso é pura e simplesmente um pesadelo”. O argumento é o seguinte:

(1) Na mundividência medieval judaico-cristã, Deus atribui um propósito ao ser humano e é este propósito que dá sentido à vida.
Ou seja, o ser humano serve para cumprir a lei e os mandamentos de Deus, para venerar Deus, para se submeter e resignar à vontade de Deus, etc. Ao fazer isto, recebe uma vida eterna.

(2) Mas tal seria ofensivo para o ser humano.
Isto porque o ser humano seria tratado meramente como um meio para os fins de Deus; não seria um fim em si. Segundo Kurt Baier, qualquer finalidade única ou propósito que nos tenha sido atribuído por Deus é degradante porque nos trata como objetos ou artefactos e não como pessoas que realizam os seus próprios propósitos.

(3) Logo, só se Deus não existir é que a vida pode ter sentido.


(C) Resposta Agnóstica

Para Susan Wolf “quer Deus exista quer não, o facto permanece: alguns objetos, atividades e ideias são melhores do que outros”. E “se uma atividade vale a pena e outra é um desperdício, então temos razão para preferir a primeira, mesmo que não exista qualquer deus para nos olhar de cima aprovadoramente”. Portanto, “a diferença entre uma vida significativa e uma vida que não o é resume-se à diferença entre uma vida que faz o bem, ou é boa, ou realiza valor e uma vida que é essencialmente um desperdício”. “Ter uma vida significativa é preocuparmo-nos em ter uma vida de entrega ativa e, pelo menos, bem-sucedida em projetos (entendendo este termo numa aceção lata) que não parecem apenas ter valor positivo, mas que realmente o têm”. Portanto, “mesmo que a vida como um todo não tenha um propósito [atribuído por um deus], isso não é uma razão para duvidar da possibilidade de encontrar e fazer sentido na vida”. O argumento é o seguinte:

(1) Uma vida tem sentido quando é uma entrega ativa a projetos de valor.

(2) Essa entrega ativa a projetos de valor não está dependente da existência ou da inexistência de Deus.

(3) Logo, a vida pode ter sentido quer Deus exista quer não.

Em suma, será que precisamos de Deus para a vida ter sentido? Este spot publicitário pode ajudar a encetar o debate.


Para aprofundar este tema:

Baier, K. (1957), “The Meaning of Life”, repr. in The Meaning of Life, 2nd Ed., E. D. Klemke (ed.), New York: Oxford University Press, 2000: 101-32.
Desidério Murcho (org.) (2009), Viver Para Quê? Ensaios sobre o Sentido da Vida. Lisboa: Dinalivro.
Susan Wolf (2011), O Sentido na Vida e por que razão é importante. Lisboa: Bizâncio.
Thaddeus Metz (2007), “The Meaning of Life”, in Stanford Encyclopedia of Philosophy.



Domingos Faria

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