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Argumentos de Rawls para uma sociedade justa
Inserido em 2013-05-02  |  Adicionar Comentário

Para John Rawls uma sociedade é justa se seguir os seguintes três princípios:

(1) Princípio da liberdade: a sociedade deve assegurar a máxima liberdade para cada pessoa compatível com uma liberdade igual para todos os outros. Segundo este princípio, o que é importante é assegurar liberdades (de expressão, de religião, de reunião, de pensamento, etc.), que não devem ser violadas em troca de vantagens económicas ou de outro tipo.

(2) Princípio da oportunidade justa: as desigualdades económicas e sociais devem estar ligadas a postos e posições acessíveis a todos em condições de igualdade de oportunidades. De acordo com este princípio, deve-se promover a igualdade de oportunidades, e as desigualdades na distribuição de riqueza são aceitáveis apenas na medida em que resultam desta igualdade de oportunidades.

(3) Princípio da diferença: a sociedade deve promover a distribuição igual da riqueza, exceto se a existência de desigualdades económicas e sociais gerar o maior benefício para os menos favorecidos. A ideia é que se as desigualdades na distribuição da riqueza acabarem por beneficiar todos, especialmente os mais desfavorecidos, então justificam-se. 
                                                               

 

Mas como é que Rawls justifica estes seus princípios da justiça?
Existem duas vias de justificação:

(A) A partir da metodologia do equilíbrio refletido

(B) A partir do argumento da posição original e da regra maximin


(A) Argumento do equilíbrio refletido

Consiste em avaliar os princípios sugeridos por Rawls à luz das nossas intuições morais e, assim, ver a sua pertinência.
Então, segundo (A), que razões temos para escolher os três princípios da justiça?

O princípio (1) justifica-se, pois a liberdade é um bem social primário e é fundamental para concretizarmos os nossos objetivos e projetos de vida. Portanto, as liberdades protegem as diversas formas de vida individuais. Seria imoral privar as pessoas de liberdade, uma vez que não se poderia assumir expressa e conscientemente uma determinada conceção de bem, como também seria impossível existir expressão, pensamento e ação livre.

Do mesmo modo, o princípio (2) justifica-se porque as pessoas não são moralmente responsáveis pelas circunstâncias do seu próprio nascimento e, mais especificamente, por nascerem numa família de perfil socioeconómico baixo ou de perfil alto. Ou seja, constata-se que, na realidade, existe uma lotaria social (as pessoas nascem em contextos socioeconómicos muito diferentes) e certos indivíduos podem ficar impedidos de aceder a funções e cargos por falta de oportunidade de educação e de cultura. Mas, este tipo de contingências sociais é arbitrário do ponto de vista moral, pois os indivíduos que nasceram nesses contextos não são responsáveis por isso. Assim, de forma a minimizar a lotaria social, precisamos do princípio da oportunidade justa. Para isso é necessário, por exemplo, que o Estado garanta a todos o acesso à educação (independentemente do contexto social).

Por fim, o princípio (3) justifica-se, pois as pessoas não são moralmente responsáveis pelos seus dotes naturais, isto é, por nascerem com boas capacidades cognitivas ou com deficiência mental, por nascerem com bons ou maus talentos, habilidades, saúde, motivação, etc. Portanto, os indivíduos têm diferentes dotes naturais e talentos e estes são desigualmente remunerados pelo mercado; além disso, nenhuma forma de igualdade de oportunidades permite retificar esta lotaria natural. Porém, estas contingências naturais que conduzem a grandes desigualdades de riqueza são arbitrárias do ponto de vista moral, pois os indivíduos não são responsáveis pela lotaria natural. Logo, de forma a minimizarmos a lotaria natural, precisamos do princípio da diferença que procura beneficiar os menos favorecidos.


(B) Argumento da posição original

Completa a justificação do equilíbrio refletido. A metodologia da posição original é (I) uma experiência mental em que se imagina uma situação em que as pessoas (as partes) de uma sociedade são levadas a avaliar os princípios da justiça. Mas as partes estão cobertas por (II) um véu de ignorância que as fazem desconhecer quem são na sociedade e quais as suas peculiaridades individuais, garantindo desta forma uma imparcialidade na escolha dos princípios da justiça. Do mesmo modo, as partes têm interesse em (III) obter bens sociais primários, ou seja, coisas que são valiosas em qualquer projeto de vida, como ter liberdades, oportunidades, rendimento e riqueza.

Tendo em conta a experiência mental (B), as partes escolheriam na posição original o princípio (1), pois, pelo facto de não saberem as suas posições na sociedade ou a que grupo elas pertencem, seria irracional prejudicar um determinado grupo (por exemplo, os pobres) ou tirar a liberdade a um certo setor da sociedade, uma vez que poderiam estar a prejudicar-se a si mesmas. Assim, quer-se uma liberdade igual para todos.

Igualmente as partes escolheriam na posição original os princípios (2) e (3) porque seguem a regra maximin. Esta regra é um princípio de escolha a aplicar em situações de ignorância, como é o caso de se ser abrangido pelo véu de ignorância. De acordo com esta regra, se as partes não sabem quais serão os resultados que podem obter ao nível dos bens sociais primários, então é racional jogar pelo seguro e escolher como se o pior lhes fosse acontecer. Além disso, a regra maximin é acompanha de três condições:

(a) as partes não têm conhecimento de probabilidades;
(b) as partes têm aversão ao risco;
(c) as partes estão especialmente interessadas em garantir a exclusão de resultados absolutamente inaceitáveis. Por exemplo, imagine-se os seguintes padrões de distribuição de bens primários em sociedades com apenas três pessoas:

(S1): 10, 8, 2
(S2): 6, 5, 5
(S3): 9, 7, 3

Na posição original, com o véu de ignorância e seguindo a regra maximin, as partes escolheriam viver na sociedade (S2), pois o pior que lhes poderia acontecer seria melhor do que nas outras sociedades. As partes, ao seguirem a regra maximin, olham apenas para os mais desfavorecidos, querendo-lhes oferecer as melhores condições possíveis. Por isso, escolheriam os princípios (2) e (3).

Serão estes argumentos plausíveis? Será que temos realmente uma sociedade justa se seguirmos os três princípios propostos por Rawls?

Para aprofundar este tema:

João Cardoso Rosas (2011), Conceções da Justiça. Lisboa: Edições 70.
João Cardoso Rosas (org.) (2008), Manual de Filosofia Política. Coimbra: Almedina.
John Rawls (1971), Uma Teoria da Justiça. Lisboa: Editorial Presença.
Jonathan Wolff (1996), Introdução à Filosofia Política. Lisboa: Gradiva.
Michael Sandel (2009), Justiça: fazemos o que devemos? Lisboa: Editorial Presença




Domingos Faria

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