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Avaliar as teorias éticas: um exemplo prático para concluir
Inserido em 2013-03-18  |  Adicionar Comentário


A Laura reparou que Edmundo, que saía da sala de aula, deixou cair, sem se aperceber, uma nota de 20 €. A Laura vem de uma família de classe alta, mas Edmundo vive numa família pobre, com poucos recursos financeiros.

A Laura apanhou a nota e está a ponderar seguir um destes cursos de ação*:

(A) Ficar com os 20 €.
(B) Devolver os 20 € para ficar bem vista e ganhar reputação de honesta.
(C) Devolver os 20 € porque considera que isso é correto. 
                                                                  

 

Qual é a ação moralmente correta? Como avaliar, a partir da ética utilitarista de Mill e deontológica de Kant, as três decisões possíveis da Laura?


Para um utilitarista como Mill:

A ação (A) seria incorreta, pois não está a promover a felicidade geral de uma forma imparcial. A Laura está a olhar só para o seu interesse pessoal (está a agir segundo o egoísmo ético).
Neste caso, visto de uma forma imparcial, o maior benefício e felicidade seria a Laura dar os 20 € ao Edmundo, pois os 20 € são dele e é ele que realmente precisa desse dinheiro.
Por isso, para um utilitarista, as ações (B) e (C) são corretas, pois têm consequências mais valiosas e benéficas, ainda que seja uma ação que tenha como motivo a Laura ganhar reputação e ser bem vista por todos, como na ação (B).


Para um deontológico como Kant:

A ação (A) é imoral porque é em tudo contrária ao dever. A máxima da ação (A) poderia enunciar-se assim: “Se isso servir os teus interesses, não devolvas o dinheiro ao seu dono”. Passaria esta máxima no teste do imperativo categórico segundo a fórmula da lei universal? Não, porque a obediência universal a tal regra criaria um estado de coisas terrível em que mesmo os seus interesses acabariam por ser lesados. Para além disso, em (A), Laura usou o Edmundo como um simples meio, como se o Edmundo fosse uma coisa ou instrumento, para o aumento direto da sua fortuna.
A ação (B) está em conformidade com o dever, porque a Laura fez o que deveria ter feito, mas foi feita por interesse e não por dever. Não podemos esquecer que o que interessa na moral kantiana são os motivos e não as consequências da ação. E em (B) os motivos são errados. Do mesmo modo, em (B), a Laura usou o Edmundo como um mero meio de “marketing” e propaganda para ela ganhar reputação e ser bem vista por todos na escola. Não lhe deu o dinheiro pelo simples facto de isso ser correto, mas sim para servir fins ditados pelo seu interesse.
Segundo a teoria de Kant, só a ação (C) é moralmente correta, já que a Laura ultrapassou os seus interesses e agiu de forma desinteressada. É, portanto, uma ação feita por dever. E será que a ação (C) passa no teste do imperativo categórico segundo a fórmula da lei universal? Sim, pois podemos querer que todos cumpram a máxima “devolve sempre o dinheiro ao seu dono”. Do mesmo modo, em (C) a Laura não tratou o Edmundo como meio, tratou-o como sendo um fim. Se a devolução dos 20 € não visou servir qualquer interesse, então cumpriu o dever pelo dever. Assim, a Laura respeita o Edmundo, tratando-o como um fim.

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* Exemplo baseado no texto “Kant: o princípio da ação moral” de Júlio Sameiro.




Domingos Faria

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