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É adequado interpretar “se… então…” como condicional material?
Inserido em 2013-01-10  |  Adicionar Comentário

Tendo em conta o que se passou na meia-final do Euro 2000 entre Portugal e França, podemos formar a seguinte condicional indicativa:

(1) Se o árbitro principal não viu Abel Xavier a desviar a bola com a mão, então o árbitro assistente viu.

As condicionais são comummente interpretadas como uma condicional material. Ou seja, assume-se que as condicionais têm condições de verdade de tal modo que só são falsas quando a antecedente é verdadeira e a consequente é falsa. Todas as restantes circunstâncias são verdadeiras.

Na linguagem lógica a condicional material de (1) pode ser formulada por ¬P → Q, sendo equivalente, como as suas condições de verdade mostram, a P ∨ Q ou a ¬ (¬P ∧ ¬Q).

                                                    

 

Mas será um procedimento adequado interpretar a expressão da língua portuguesa “se..., então...” como a condicional material?

Defenderei que a condicional não pode ser interpretada muitas vezes como uma condicional material.

Considere-se uma condicional contrafactual, como:

(2) Se o árbitro principal não tivesse visto Abel Xavier a desviar a bola com a mão, então o árbitro assistente teria visto.

As condicionais (1) e (2) parecem ter a mesma antecedente e consequente. Porém, têm valores de verdade opostos. A condicional (1) é verdadeira, porque alguém da equipa da arbitragem viu esse ato e ordenou a marcação de penalti contra Portugal. Todavia, a condicional (2) é falsa, pois seria possível que Abel Xavier colocasse a mão na bola mas ninguém da equipa de arbitragem visse esse gesto. Ora, se estas duas condicionais têm valores de verdade diferentes, apesar de aparentarem ter a mesma antecedente e consequente, então não podem ser ambas condicionais materiais.

Além disso, nas contrafactuais a antecedente da condicional é sempre falsa (i.e., contrafactual é ser contrário aos factos), o que implicaria, caso seja interpretada como condicional material, que a condicional fosse sempre verdadeira. Mas parece óbvio que nem todas as condicionais contrafactuais são verdadeiras, como em (2). Logo, algumas contrafactuais não podem ser interpretadas como condicionais materiais.

Mesmo no caso das condicionais indicativas é problemático aceitá-las sempre como materiais, pois teríamos de reconhecer como condicional verdadeira que “Se Pinto da Costa é de Aveiro, então é portuense”, porque tem antecedente falsa e consequente verdadeira. Mas é altamente contraintuitivo aceitar isso, pois revela um erro de conexão geográfica.

Também não parece possível interpretar a condicional material em condicionais como esta: “Se tem lesões, quantas tem?”. Trata-se de perguntas que não têm tipicamente valor de verdade, como muitos atos de fala.

Portanto, em inúmeras situações seria inadequado interpretar o “se… então…” como uma condicional material.


Domingos Faria

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Colega, perdoe-me a minha ousadia, porque estudou certamente estas questões de um modo mais profundo do que eu, mas tenho dúvidas em relação aos argumentos que apresenta: 1. A condicional (2) é falsa, porque poderia acontecer que ninguém visse o gesto de Abel Xavier. Mas a (1) também poderia ser falsa pela mesma razão, antes de ter acontecido. Aliás, como o antecedente e o consequente já estão apurados, não vejo que em (1) exista uma implicação (apesar do "se"). Parece-me muito mais uma conjunção: sabemos que o árbitro não viu e o fiscal viu. Se queremos colocar as coisas em termos condicionais, temos que admitir a possibilidade de não ter acontecido desse modo. 2. Nas proposições contrafactuais o antecedente é sempre falso? Mas o pressuposto é que, na hipótese de ser verdadeiro, aquele consequente se verifique. Por vezes os encarregados de educação dizem-me: "se o meu filho estudasse, ia muito longe. Ora, é falso que ele estude, mas, por vezes acontece que, se fosse verdade que ele estudasse, poderia, de facto, ir muito longe. É disso que estamos a falar. 3. No terceiro argumento, tenho dúvidas de que seja uma condicional, apesar do "se". "Quantas tem?" é um consequente? Terá essa função naquele contexto? É condição necessária do antecedente? Só se a pergunta pressupuser que tem algumas. Mas, nesse caso, já tem valor de verdade. Cumprimentos A. Montez