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Vícios do ensino da filosofia: organicismo
Inserido em 2012-11-22  |  Adicionar Comentário

O que se deve evitar para haver uma boa lecionação da filosofia?

Já vimos que o mecanicismo é um dos extremos a evitar (Vícios do ensino da filosofia: mecanicismo). O outro extremo é o organicismo, em que se parte da perspetiva do humano como um organismo que se desenvolve por si mesmo.

Aqui é totalmente desprezada a componente expositiva dos conteúdos para se valorizar apenas o trabalho prático do aluno e a sua construção do conhecimento. No entanto, esta conceção de ensino levanta alguns problemas, pois os alunos aprendem filosofia sem quaisquer referências e ignoram as melhores respostas e teorias que se conceberam ao longo da história, como se começasse tudo a partir do zero. 

 


Ora, ao prescindir-se por completo dos aspetos expositivos do ensino, ignorando-se, por conseguinte, os instrumentos básicos de fazer filosofia (como saber lógica formal e informal, saber negar proposições ou saber avaliar a cogência argumentativa, entre outros) e ao ignorar-se algumas das melhores teorias filosóficas que se construíram ao longo da história, o debate de ideias pode cair numa mera conversa de café superficial e desinteressante com muitas confusões e erros básicos.

Além disso, o desconhecimento bibliográfico relevante acaba por fazer a discussão perder qualidade e ao proporcionar-se isto na sala de aula, acaba-se apenas por brincar aos filósofos e esquecer as grandes teorias, argumentos e objeções que têm sido avançadas ao longo dos séculos para responder aos problemas filosóficos.

Adquirir este conhecimento é importante, uma vez que os alunos podem aprender a fazer filosofia pela análise crítica das teorias e dos erros dos filósofos – evitando cair, também eles, nos mesmos erros –, pelo contacto com outras perspetivas e até pela capacidade de propor outras soluções. Os alunos ficam certamente a ganhar ao conhecerem o progresso realizado em filosofia, os instrumentos básicos da filosofia e as suas melhores teorias e argumentos, ficando assim habilitados a avaliar os argumentos e as suas limitações, a fazer clarificações, a contribuir crítica e criativamente para as teorias e problemas filosóficos, em suma, a discutir ideias com maior competência e rigor.

Será, então, a conceção orgânica plausível para o ensino da filosofia?

Não, sobretudo por dois motivos:

1) o desconhecimento dos instrumentos filosóficos e de informações teóricas relevantes pode baixar substancialmente a qualidade da filosofia;

2) pode-se correr o risco de a aula se tornar um mero espaço de entretenimento e sem aprendizagem relevante da filosofia.


Domingos Faria


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Agradeço o seu comentário muito pertinente. Salienta que talvez estejamos a esquecer uma questão fundamental, ou seja, a sobrevivência da filosofia no ensino secundário. Em concomitância com isto refere “mais que discussão de métodos, devemos pensar o que fazer para mostrar como a Filosofia é decisiva para os dias de hoje”. Porém, penso que é um equívoco pensar que esta questão está desligada dos métodos de ensino da filosofia, pois ao utilizarem-se métodos errados pode-se descredibilizar o ensino da filosofia. Portanto, a forma de ensinar filosofia está estritamente relacionada com a forma como se encara a filosofia. Por exemplo, se acharmos que o ensino da filosofia é apenas um conjunto de informações que os alunos têm de debitar mecanicamente, então isso pode ser considerado pela sociedade como algo inútil, pois é algo que não acrescenta valor substancial à formação do aluno. Por isso, convém refletir apropriadamente sobre os melhores métodos de ensino da filosofia. Mas, para além da reflexão sobre as metodologias de ensino, como podemos mostrar que a filosofia é decisiva para os dias de hoje? Por exemplo, as ciências e outras disciplinas como a estatística também investigam criticamente crenças básicas acerca da realidade, então qual é a relevância da filosofia? Considero que temos de atender a uma diferença peculiar: a ciência e a estatística tratam daqueles problemas que podem ser analisados empiricamente e formalmente, enquanto que a filosofia trata daqueles outros problemas que não podem ser analisados empiricamente e para os quais não existem métodos formais de prova. Por exemplo, se nos limitarmos a usar metodologias empíricas ou métodos estatísticos nunca conseguiremos responder a problemas como os seguintes: Deve a eutanásia ser legalizada? A sociedade deve estar organizada segundo uma conceção libertarista (como pretende o nosso Governo) ou segundo outras conceções como o liberalismo-igualitário ou o comunitarismo? Será que Deus existe? Estas questões dizem respeito à filosofia, pois só se podem tentar resolver tais problemas recorrendo fundamentalmente ao pensamento, à argumentação cuidadosa e à discussão crítica. Nunca conseguiremos responder a tais questões apenas com métodos estatísticos ou científicos. Portanto, a filosofia deve ser reconhecida como fundamental pelo seu valor instrumental de facultar ao ser humano um pensamento crítico, mas também pelo seu valor cognitivo intrínseco de procurar encontrar boas respostas para problemas que são fundamentais para os seres humanos e que são insuscetíveis de resolução empírica e formal. Portanto, é absurdo dizer que a filosofia não tem utilidade. Mas, para se mostrar à sociedade esta mesma utilidade também é importante pensar bem como se deve ensinar filosofia – caso contrário, podemos estar apenas a transmitir uma caricatura daquilo que é a filosofia e da sua utilidade. Concorda?