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Perplexidade no ensino da filosofia
Inserido em 2012-11-08  |  Adicionar Comentário

 

 


Uma das maiores perplexidades com que o professor de filosofia se confronta é a de tentar explicar o valor da disciplina que ensina. Se o professor atento pretende algo mais do que debitar fórmulas ou definições, vai certamente ser confrontado com esta explicação aos jovens estudantes do ensino secundário.

Parece-me que, de antemão, a melhor via é começar a fazer filosofia e que, no caminho, o estudante começa a compreender o valor do que faz.

Mas, logo no início do 10.º ano, professor e estudantes são confrontados com uma pequena unidade destinada ao estudo do que é a disciplina, do que se vai estudar e para que serve a filosofia.
A minha sugestão é que não se perca muito tempo com esta unidade (pelo menos, não mais do que o programa oficial lhe destina) e que se avance para a compreensão de pequenas definições operacionais a usar na disciplina, como as de definição, conceito, proposição, argumento, validade, verdade, etc. 



O professor de educação física não perde tempo algum com questões sobre o que é e qual o valor da sua disciplina, pois os jovens reconhecem de imediato o valor do corpo. Mas e o valor da mente e das suas capacidades racionais? Será que um jovem não reconhece de imediato o valor da mente? Penso que sim. Acontece que o professor de educação física parte logo para a prática. E se for verdade que é por essa via que os estudantes compreendem o valor da disciplina de educação física, temos uma boa razão para pressupor que o mesmo se possa passar com a filosofia

Do mesmo modo que o professor de educação física expõe as regras do jogo que se irá desenrolar nas aulas, assim o professor de filosofia pode partir daí, da exposição das regras com que se faz filosofia.

Um bom pressuposto para tal é ensinar noções básicas da argumentação crítica, evitando, pelo menos nesta fase, o jargão da lógica, ainda que não se dispensem alguns conceitos invioláveis, como os que acima referi: verdade, falsidade, validade, argumento, proposição, etc.

A prática é o número de exemplos e argumentos apresentados nas aulas destinados a levar o estudante a começar a percecionar com alguma clareza aspetos nucleares da argumentação filosófica.

Isto realiza-se tanto melhor quanto o professor tiver em mente as competências fundamentais da disciplina, que aqui resumo a três:

competências sobre problemas
competências sobre teorias
competências sobre argumentos


Se é verdade que os estudantes do 10.º ano chegam à sala de aula com alguma perplexidade, é aconselhável não os deixar fugir com uma ideia errada da utilidade que a filosofia pode ter na sua formação. É que, ao passo que a educação física goza de bom estatuto social (associada às convenções sociais do desporto e da cultura do corpo, da beleza, da aparência, etc.), a filosofia não tem esse proveito imediato, pelo menos na nossa cultura. Não quero com isto afirmar que a filosofia deve oferecer um caráter mediático tal que o efeito da publicidade seja o de a tornar atraente. Ela é em si atraente e tem muitas formas disponíveis para o mostrar, desde que as apliquemos o quanto antes.

Como fazê-lo, então? O professor de filosofia pode praticar filosofia desde a primeira aula.

Quando confrontado pelos estudantes sobre a utilidade da disciplina, pode, por exemplo, começar por discutir a definição do que é uma coisa útil e se tal definição pode ser objetiva. Se o professor conseguir passar 45 minutos com esta discussão, apelando sempre aos estudantes que refutem as posições com que discordam, está já a dar, creio, um forte contributo para a compreensão da utilidade da disciplina. Ao fim de 45 minutos, dos 25 estudantes perplexos, terá pelo menos 15 que compreendem que a filosofia os pode ajudar a afinar conceitos e a remodelar argumentos.

Este é um bom ponto de partida para seguir em frente, na filosofia da ação, a unidade que se segue no programa e na qual os estudantes terão a oportunidade de discutir alguns aspetos do problema do livre-arbítrio.

De uma forma muito geral, os maiores obstáculos iniciais no ensino da disciplina de filosofia têm duas causas:

1. A própria ideia que se passa aos jovens da disciplina de filosofia, muitas vezes errada e depreciativa.

2. A própria natureza da filosofia que, em regra, consegue oferecer rigor argumentativo a quem a ela se dedica, mas que não nos dá respostas como dá a ciência, por exemplo.

Mas nós sabemos que a ciência não tem respostas sem problemas, e que se fizéssemos perguntas apenas para problemas cujas respostas já sabemos, não havia necessidade de se fazer perguntas.

No miolo dos problemas racionais, está sempre a filosofia. Com a filosofia utilizamos o equipamento que temos, o cérebro, para pensar de forma rigorosa e sistemática os problemas para os quais ainda não podemos oferecer respostas. Sobretudo, a filosofia dissipa os falsos problemas para, no seu lugar, nos ocupar a mente com problemas reais.


Rolando Almeida

 


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Parece-me que a melhor maneira de explicar o que é a filosofia e o seu valor, para os novos alunos, é praticando-a. No entanto, isso não invalida tentar avançar uma caracterização da filosofia. O autor deste “post” defende que não se deve perder muito tempo com isso, pois os alunos apreendem o significado e valor da filosofia no exercício da mesma. Concordo! Mas, daí não se segue que seja dispensável uma caracterização inicial da filosofia. É claro que caracterizar filosofia como “amor à sabedoria” até pode ser inútil, pois a matemática e a ciência também são um amor à sabedoria. Porém, existem caracterizações mais rigorosas, como por exemplo afirmar que a filosofia é uma reflexão crítica de problemas, teorias, argumentos e conceitos, sobre as nossas ideias mais básicas, que se tentam analisar e resolver fundamentalmente pelo pensamento. Em suma, será de todo dispensável a unidade inicial que tenta caracterizar o ensino da filosofia? Parece-me que não, pois pode ajudar o aluno a contextualizar o que vai tratar na nova disciplina. Pode funcionar como a sinopse de um filme, ou seja, é útil para se ter uma visão prévia da temática, do enredo e dos seus pontos principais. É óbvio que ficar apenas pela sinopse é muito limitador, pois parece muito mais interessante ver o filme completo… ou ver como é a filosofia na prática.